MARCO AURÉLIO SILVA, ou Macarena, estuda Pedagogia na FEUSP. Não só observou de perto os acontecimentos de 9 de junho, como filmou e postou momentos importantes em seu canal do Youtube (http://www.youtube.com/user/marcoaasilva). “É com muito pesar e revolta que escrevo sobre a entrada da PM no câmpus da USP”, disse ele, “e o ataque que sofremos no dia 9 de junho de 2009. No mesmo dia, e no seguinte, escrevi a alguns amigos e familiares o que passei e senti, que segue abaixo.”
“Estávamos em manifestação pacífica do movimento estudantil, trabalhista e docente da USP. Ao acabar a manifestação, a massa retorna em passeata até a Reitoria, onde se dispersaria…
Acontece que, enquanto voltávamos, a polícia resolveu agredir. Militante não é santo, eu sei… Mas ainda assim, tropa de choque contra estudantes, trabalhadores e professores da USP é mais que covardia: é truculência, AUTORITARISMO, REPRESSÃO!!!
Depois de confrontos ao longo da avenida de entrada da USP, manifestantes feridos foram levados ao HU, porém a massa foi acuada no prédio da Hist/Geo da FFLCH. Com a PM toda em volta, ninguém podia entrar, ninguém podia sair…
Algumas bombas de gás foram atiradas DENTRO DO PRÉDIO!! Num vão amplo porém fechado, onde estávamos todos…
Durante muito tempo, fiquei com a máquina do Centro Acadêmico, filmando muuuita coisa. Durante boa parte, infelizmente, fiquei sozinho… passei muito mal, quase vomitei… E chorei, chorei, chorei muito em ver a história da humanidade retratada em alguns instantes, resumida ali ao vivo… A única coisa que me dava força para engolir o choro era saber que aquilo não era nada, absolutamente nada perto do que muitos já passaram. Não quero com isso diminuir a importância e o absurdo do evento, uma vez que todo o caos, sofrimento e humilhação não deixarão de existir – primeiro nos maiores conflitos, depois nos menores… Será gradativamente sim, mas enquanto princípio, somente quando o homem for capaz de sentir paz no coração, todo e qualquer conflito cessará… das guerras entre nações aos conflitos domésticos…
Assim, por princípio, quero dizer que o absurdo da ação do governo, a truculência e a repressão têm o mesmo valor que a guerra do Iraque, assim como têm o mesmo valor que a silenciosa violência doméstica cotidiana contra mulheres.”
Outra coisa muito importante que me aconteceu naquele dia foi avistar o professor Marcos Ferreira, da FEUSP, e sua esposa Solange, de mãos dadas, caminhando, se assim posso dizer. Segue o que escrevi ao professore no dia seguinte:
‘Subiram o gramado entre a Reitoria e a FFLCH, cruzaram a avenida conhecida como rua dos bancos, e dobraram à esquerda, permanecendo entre as árvores, no meio da avenida. E assim seguiram, ainda de mãos dadas, em meio à fumaça daquela tarde que alguns já chamaram de dia D da USP… Agradeço ao que, mesmo sem saber-me ali, me ensinou. Enquanto alguns corriam atordoados e, revoltosos, provavelmente pensavam em como revidar ou no que fariam se tivessem condições físicas de revidar, o sr. e sua esposa mantiveram-se serenos, ainda que tão atordoados quanto qualquer outro agredido pelo gás. Foi nessa imagem, ironicamente bela, e de profunda poesia, que num fim de tarde esfumaçado e à meia-luz pus-me a chorar… Ainda não consegui assistir ao vídeo da câmera, não sei se consegui captar essa imagem. Com certeza não captei – até porque em princípio seria impossível – o calor que senti em minh’alma, distinto de todo o calor que senti durante toda a tarde de ontem. Talvez, se eu fosse poeta, saberia retratar o que senti. Tentarei, neste e-mail, em outros, em música, pensamento, e qualquer outro espaço que me for concedido, declarar o que senti… Não posso retribuir-lhe à altura o que me proporcionou, mas agradeço da forma mais singela. Desde o fim do primeiro semestre de 2008, quando encerramos a disciplina Cultura e Imaginário 2, ansiei pelo momento em que poderia novamente desfrutar de teus ensinamentos. Sei que pode parecer sádico, mas agradeço muito por ter podido ontem retomar suas aulas. Sua serenidade inabalável é digna de muita reflexão de todos; ainda não digeri bem o que passou, mas espelho-me em sua postura para continuar caminhando nessa árdua vida de lutas, lutas serenas, lutas sinceras, do espírito emancipado ou a fim de emancipar-se. Grato, grato, eternamente grato, a ti e à tua esposa.’
E, por fim, encerro aqui como encerrei o e-mail a meus amigos e familiares:
‘Neste momento estou só, (…) a PM por todo o câmpus; os estudantes, professores e funcionários, em assembléia. Meu corpo está integro. Minha alma… não sei.'”